segunda-feira, maio 31, 2010


Ao som que invade o ermo "Ode to Melancholy"
XXIV de Maio de MMX
Á Luye van Gotland

"Uma réstia de luz que emerge na alcova da lembrança pueril
Vulto disforme no reflexo do retrato do vate,
Frêmitos que são sussuros de serenidade na necrópole dos sonhos,
Decrépitas agruras a roer moradas carnais!"
(Cold Tears)

Beleza do Sofrimento


"Máscaras que encobrem
Desenhando linhas da vaidade
Apodrecendo os anos que badalam
Nascendo rugas, arrastando-se
No vale das moscas...
Ocultando o sofrimento
Entre maquiagem e tristes sorrisos
Esvaecendo a jovialidade do corpo
Diluindo-se, escuras lágrimas
A navalha que espera
O encontro da solidão."

(Luiz Carlos)

sábado, maio 08, 2010

Visão


Vincente acordou após horas de um sono letárgico. Fazia dias, talvez semanas, que não conseguia dormir. Assim que abriu os olhos o desespero tornou a sentar-se ao seu lado. E embora sua realidade fosse imutável, ele não se conformava com ela. Como todos os outros dias, o buraco em que vivia estava úmido, tudo á sua volta exalava a morte, até mesmo os andrajos com que estava vestido estavam podres. 
Sentado no chão, em meio aos entulhos, tomado pela angústia. Angústia essa que o atormentava ao mesmo tempo que o deixava inerte ao mundo que o rodeava. Talvez a loucura fosse a saída, uma última esperança num mundo atormentado.
Vincente decidiu que sairia, estava faminto - uma dor insuportável dominava suas entranhas. Ergueu-se da cova empoeirada aonde estava, subiu em direção á superfície, onde a luz e todos os males existentes se encontravam.

              ***

A luz do sol parecia mais forte, seus olhos avermelhados ardiam desesperadamente. Saindo da cova deparou-se com as ruínas, daquilo que um dia foi um cemitério. A morte o cercava, não só á ele, mas ás todas as coisas. Ela parecia vagar livremente por entre os desesperados, por entre tudo que existia - não vagava como tempos remotos, mas como uma imperadora do que havia restado do mundo.
Vincente deu os primeiros passos, seus pés sentiam o chão, mesmo estando calçado. Assim que saiu do meio dos escombros onde morava, viu a imagem desoladora ao seu redor, mãe de seu desespero.

A paisagem cinza, angustiante. O mundo estava perdido. Não havia água, não havia o que comer. Somente ruínas, de tudo que tinha existido. O dinheiro nada mais comprava, a fé - abandonada.
Vincente caminhou  cambaleando no que antes eram as ruas de uma grande metrópole. Corpos estavam entulhados por todos os lugares frutos da última tentativa de organização dos que ainda tinham o controle de suas mentes.
Não havia mais verdades ou mentiras, tudo apodrecia ao ar livre.
Vincente sucumbia aos limites do seu corpo, quando deparou com o cadáver de um menino de dois anos, jogado na beira da estrada por onde passava. Os olhos abertos, a boca roxa, a lívida pele apodrecendo aos poucos.Vincente lembrou-se do seu filho, para ele - o único anjo que existira - o qual foi levado a tirar a vida na tentativa de poupá-lo da dor que despertava junto á aurora.
Ajoelhou-se e fechou os olhos da pequena criança, sua face enrusbeceu-se, mas não conseguiu chorar.
Seguiu novamente o caminho febril, o chão de terra seca, sem vida. Andou por quilômetros, ruínas e caos por todos os lados.

Uma negra nuvem pairou pela cidade, acompanhada do ar tépido que a impelia. Vincente pensou no fim, o fim estava ali.

Chegando na saída da cidade avistou outros corpos, além dos que jaziam em desespero, corpos que machavam doente, corpos como o dele, que cambaleavam na última dança em busca da vida. Andavam lado a lado e ignoravam a presença uns dos outros.
O caminho então tornou-se mais estreito, aos poucos alguns iam caindo, um á um se misturavam aos que já estavam no chão.
Vincente viu então uma mulher, os cabelos dourados manchados pela negra sujeira de sua existência. Ela havia acbado de cair, sua boca estava aberta, seus lábios vermelhos, feridos pela sede. Um ruído seco saiu de sua garganta no que foram suas últimas palavras.
Vincente seguiu em frente, andou até que chegasse no começo do que tinha se tornado um deserto. Resistiu, até que se fez solitário novamente.

***

Vincente mal conseguia respirar, a dor física era insuportável.  Avistou então á sua esquerda uma sombra que jazia na paisagem vazia, notou ser a sombra de um animal grande. Foi em sua direção, seus pés agora tocavam o chão, livres dos restos de seus sapatos. Caiu, e seguiu se rastejando até o animal. Com esforço conseguiu alcançá-lo , repousando a cabeça nos seus ossos frágeis. Viu que um primeiro e solitário urubu se aproximava em seu voo baixo, quase rasteiro, e que esse novo companheiro fez seu pouso e ficou a observá-lo á distância. Fechou os olhos, seus pulmões exalavam exaustão. 

Acordou uma hora depois, quando ave se aproximou pousando no animal morto. Vincente olhou seus olhos opacos e ouviu o rangido de seu bico rasgando o couro da magra carne pútrida.
Um azedo odor alcançou suas narinas, por dentro, o animal já estava alguns passos do estado decompositor. Só então viu que estava deitado sobre uma poça de sangue negro e que alguns vermes caminhavam sobre ele e sentido ao corpo do animal.
Vincente virou o rosto, o urubu agora se alimentava selvagemente. Levantou uma das mãos e enfiou-a nas víceras do animal, trouxe-as a sua boca. Manchando sua face com o sangue morto enquanto mastigava sua última refeição.
Sentiu o gosto da morte em sua língua, o alimento mole que descia pela laringe. 

Olhou ao redor, outros urubus se aproximavam aos poucos. Um segundo fez seu pouso ao seu lado, depois um terceiro e o quarto e então os demais. Vincente fechou os olhos, sentiu os movimentos das aves ao seu redor. Misturou-se ao cenário mórbido.

Por: Poliana
Ao som de Tristis Terminus

quarta-feira, maio 05, 2010